domingo, 18 de março de 2012

Toda vez que eu chego em casa...


Ontem à noite me pus a pensar sobre o tema da intimidade e da privacidade. Questões altamente interessantes, que estão intimamente (ops!) ligadas à própria ideia de liberdade. 
Afinal, quem dita o que é privacidade e o que é intimidade e, mais importante, quem define o limite onde o(s) outro(s) pode(m) se intrometer? 
Fiquei pensando, seriamente, se haveria um dever fundamental de manter a própria intimidade. Escrevi aqui que eu “sempre acreditei que a morte fosse o mais privado dos acontecimentos.” Continuo pensando exatamente o mesmo. Acrescento a isso as atividades fisiológicas necessárias, as atividades sexuais, as brigas entre familiares e cônjuges e, muito especialmente, os gritos da minha vizinha.
Ontem, repetindo uma situação de semanas, chego em casa, cansado, e me deparo com a jovem gritando, gemendo, urrando, e dizendo palavrões (em alemão eles se intensificam, acreditem!) a plenos pulmões. Outros barulhos, além dos intermináveis gritos, indicavam que estava rolando o clássico saturday night com o namorado/marido/caso. 
Aos que já começaram mentalmente criticar a minha postura como reacionária, carola, reprimida, etc. e etc, informo que não se trata da minha vizinha de prédio ou do prédio contíguo. Ou mesmo de porta. Não, nada disso. Ela mora do outro lado da rua. Sim, uma rua inteira, com duas pistas e mais um largo espaço para os alemães estacionarem seus carrinhos, nos separa. Além disso, minha janela estava apenas entreaberta. A dela, incrivelmente, também.  
Isso me levou a pensar se é necessário que protejamos a nossa intimidade e privacidade dos outros. Temos um dever fundamental de não nos expormos? Ou de não submeter outros aos nossos atos mais íntimos? E se isso for verdade, como conciliar com a liberdade que eu tanto admiro? 
Enfim, como eu escrevi acima, é bastante provável que ambos estivessem em pleno ato sexual. Mas, há dúvidas entre a platéia que se formou abaixo da sua janela, poderia ser que alguém a estivesse cortando em pedaços, sem anestesia. Os gritos, diziam alguns, são de dor, não de prazer. Por mim, já tenho a solução: se ela estiver morta, ele será duramente penalizado nos termos da lei alemã, podendo ficar preso por anos e anos; se ela estiver viva, bem, além do expressivo sorriso no rosto que ela deve carregar, erguerei uma estátua em homenagem ao herói.
Toda vez que eu chego em casa, a vizinha do Pedrinho já está gritando...